Capítulo 7 – Sufoco
– Mas, quem fala?
Ismael suspirou, reclinado contra a porta do carro, do outro lado da rua da morada de onde a chamada era atendida. Seria a mãe de Gustavo Salvo ou a governanta? Já tivera oportunidade de espreitar pelo portão, tratava-se de uma construção sólida, arquitectura minimalista de bom gosto, preferência por superfícies vidradas em detrimento do cimento. Um único portão e jardim providenciavam toda a privacidade que não se obtinha de uma vivenda geminada. Garagem para dois carros em anexo, pórtico com degraus e telhado em bico, sebes bem tratadas de encontro ao alto muro com espigões na coroa, não havia o que não gostar. Por dentro... Nem queria imaginar.
– Sabe dizer-me se conta com ele cedo?
– Com quem estou a falar, se faz favor?
Desligou. Já dera a volta à propriedade, pelo exterior, para certificar-se de todas as entradas e saídas, ângulos de acesso furtivos, localização de câmaras e demais componentes de um possível sistema de segurança. Se tivesse os binóculos consigo, teria sido minucioso, mas as empresas de instalação de alarmes não primam pela imaginação, pelo que se tornava intuitivo situar o básico. Além disso, o Google Earth auxiliara-o com uma esquemática imagem de satélite.
O facto de acreditar, em sede conjectural, na inocência de Alessandra Pinheiro, reduzia-lhe drasticamente a lista de suspeitos. Entrou no carro e recostou-se. Deveria esperar? A noite começava a escurecer o que tinha sido um dia de clima agradável e as longas sombras do entardecer esticavam dedos que se apoderavam dos recantos onde a luz solar ainda subsistia. A tradicional hora de jantar aproximava-se, mas nada lhe garantia que Gustavo Salvo tivesse recolher obrigatório.
Marcou o número de Élia. Apesar do ícone no ecrã imitar ondas sonoras a passarem de um telemóvel para outro, a ligação não foi estabelecida. Por cima da ingénua representação gráfica de chamada não atendida, surgiu o algarismo três. Deveria preocupar-se?
Essa mera questão fez com que o carro subitamente se tornasse demasiado pequeno, enclausurando-o nas suas modestas dimensões, cingindo-o à nítida impressão de encontrar-se no interior de uma câmara de compressão que, viciosa e implacavelmente, iria reduzir o veículo a um cubo de ferro velho e a ele a uma nódoa no assento. Abriu a porta e, praticamente, caiu de borco no asfalto, ainda esmagado pela falta de ar.
Passara o dia com a cabeça mergulhada numa investigação que o ultrapassava em meios e autorização operacional, a contornar dificuldades em vez de as abalroar. Claro que tinha a legitimidade insanável conferida pela oferta do cadáver, algo que não podia agradecer a pessoa desconhecida mas, nesse jogo de gato e rato em que se empenhara, nenhum argumento garantia a segurança imediata de Élia. E era, subitamente, esmagado pela convicção de que a incomunicabilidade dela poderia não ser inócua.
Um Range Rover Evoque metalizado monopolizou, então, o campo de visão de Ismael, reduzindo a velocidade com precisão. O pisca, entretanto activado, acusou a intenção de contornar o peão tombado sobre o pavimento, mas o veículo acabou por travar, ao concluir pela impossibilidade de concretização da manobra em segurança. Assemelhando-se a um touro, debruçou-se alguns milímetros para a frente, já depois de os pneus se terem imobilizado, antes de retrair à posição de suspensão. Era o conforto da tracção dianteira, pensou Ismael, apoiando-se-lhe à grelha para erguer-se. O condutor reiniciou imediatamente a marcha, tendo dado ordem de recolhimento ao vidro da porta.
Ismael, como uma mola, entrou no seu próprio carro, que entretanto voltara às dimensões de fábrica, e ligou o motor. Ao olhar pelo espelho retrovisor, antes de abandonar o estacionamento, verificou que o Range Rover fazia marcha-atrás e avançava pelo portão, entretanto aberto electronicamente, da vivenda de Gustavo Salvo.
As suas mãos apertaram o volante, como tenazes, o corpo tenso e a adrenalina a irrigar. E agora? Num gesto mecânico, retirou do porta-luvas a arma que aí guardara e fechou os dedos sobre ela. Tratava-se da sua mais recente aquisição, um revólver italiano de pequeno porte, mas elevado poder de fogo, pelo qual se apaixonara em partes iguais pelo aspecto e funcionalidade. O Chiappa Rhino 200D comportava seis cartuchos de calibre .357 Magnum num tambor hexagonal, desenhado para estreitar a peça, e um cano de apenas 5,9cm. Como piéce de resistance, o Rhino era o segundo revólver do mundo a ostentar a inovação do alinhamento inferior do cano face ao tambor, o que diminui consideravelmente o coice do disparo, já que aproxima a linha do antebraço à do cano, e proporciona também um recuo horizontal e não em arco, facilitando a pontaria no segundo tiro.
Ismael saiu do carro e atravessou a rua. O Rhino era tão compacto e leve que praticamente se escondia dentro da mão, sendo essa a característica que favorecia sobre quaisquer outras. O portão começava a encerrar-se atrás do jipe, que parara junto ao anexo mas, com a mão esquerda, Ismael deteve-lhe o avanço.
A porta do Range Rover abriu-se e o condutor apeou-se, inclinando-se ainda sobre o interior, para retornar com uma pasta e um casaco, que dobrou debaixo do braço.
Ismael largou o portão e guardou o revólver no bolso. O portão reactivou-se, deixando Ismael do lado de fora.
O condutor prosseguiu para a moradia, ainda de costas, sem se ter, aparentemente, apercebido da presença de Ismael, que entretanto retornava ao seu carro, empunhando agora uma chave inofensiva.
Ismael suspirou, reclinado contra a porta do carro, do outro lado da rua da morada de onde a chamada era atendida. Seria a mãe de Gustavo Salvo ou a governanta? Já tivera oportunidade de espreitar pelo portão, tratava-se de uma construção sólida, arquitectura minimalista de bom gosto, preferência por superfícies vidradas em detrimento do cimento. Um único portão e jardim providenciavam toda a privacidade que não se obtinha de uma vivenda geminada. Garagem para dois carros em anexo, pórtico com degraus e telhado em bico, sebes bem tratadas de encontro ao alto muro com espigões na coroa, não havia o que não gostar. Por dentro... Nem queria imaginar.
– Sabe dizer-me se conta com ele cedo?
– Com quem estou a falar, se faz favor?
Desligou. Já dera a volta à propriedade, pelo exterior, para certificar-se de todas as entradas e saídas, ângulos de acesso furtivos, localização de câmaras e demais componentes de um possível sistema de segurança. Se tivesse os binóculos consigo, teria sido minucioso, mas as empresas de instalação de alarmes não primam pela imaginação, pelo que se tornava intuitivo situar o básico. Além disso, o Google Earth auxiliara-o com uma esquemática imagem de satélite.
O facto de acreditar, em sede conjectural, na inocência de Alessandra Pinheiro, reduzia-lhe drasticamente a lista de suspeitos. Entrou no carro e recostou-se. Deveria esperar? A noite começava a escurecer o que tinha sido um dia de clima agradável e as longas sombras do entardecer esticavam dedos que se apoderavam dos recantos onde a luz solar ainda subsistia. A tradicional hora de jantar aproximava-se, mas nada lhe garantia que Gustavo Salvo tivesse recolher obrigatório.
Marcou o número de Élia. Apesar do ícone no ecrã imitar ondas sonoras a passarem de um telemóvel para outro, a ligação não foi estabelecida. Por cima da ingénua representação gráfica de chamada não atendida, surgiu o algarismo três. Deveria preocupar-se?
Essa mera questão fez com que o carro subitamente se tornasse demasiado pequeno, enclausurando-o nas suas modestas dimensões, cingindo-o à nítida impressão de encontrar-se no interior de uma câmara de compressão que, viciosa e implacavelmente, iria reduzir o veículo a um cubo de ferro velho e a ele a uma nódoa no assento. Abriu a porta e, praticamente, caiu de borco no asfalto, ainda esmagado pela falta de ar.
Passara o dia com a cabeça mergulhada numa investigação que o ultrapassava em meios e autorização operacional, a contornar dificuldades em vez de as abalroar. Claro que tinha a legitimidade insanável conferida pela oferta do cadáver, algo que não podia agradecer a pessoa desconhecida mas, nesse jogo de gato e rato em que se empenhara, nenhum argumento garantia a segurança imediata de Élia. E era, subitamente, esmagado pela convicção de que a incomunicabilidade dela poderia não ser inócua.
Um Range Rover Evoque metalizado monopolizou, então, o campo de visão de Ismael, reduzindo a velocidade com precisão. O pisca, entretanto activado, acusou a intenção de contornar o peão tombado sobre o pavimento, mas o veículo acabou por travar, ao concluir pela impossibilidade de concretização da manobra em segurança. Assemelhando-se a um touro, debruçou-se alguns milímetros para a frente, já depois de os pneus se terem imobilizado, antes de retrair à posição de suspensão. Era o conforto da tracção dianteira, pensou Ismael, apoiando-se-lhe à grelha para erguer-se. O condutor reiniciou imediatamente a marcha, tendo dado ordem de recolhimento ao vidro da porta.
Ismael, como uma mola, entrou no seu próprio carro, que entretanto voltara às dimensões de fábrica, e ligou o motor. Ao olhar pelo espelho retrovisor, antes de abandonar o estacionamento, verificou que o Range Rover fazia marcha-atrás e avançava pelo portão, entretanto aberto electronicamente, da vivenda de Gustavo Salvo.
As suas mãos apertaram o volante, como tenazes, o corpo tenso e a adrenalina a irrigar. E agora? Num gesto mecânico, retirou do porta-luvas a arma que aí guardara e fechou os dedos sobre ela. Tratava-se da sua mais recente aquisição, um revólver italiano de pequeno porte, mas elevado poder de fogo, pelo qual se apaixonara em partes iguais pelo aspecto e funcionalidade. O Chiappa Rhino 200D comportava seis cartuchos de calibre .357 Magnum num tambor hexagonal, desenhado para estreitar a peça, e um cano de apenas 5,9cm. Como piéce de resistance, o Rhino era o segundo revólver do mundo a ostentar a inovação do alinhamento inferior do cano face ao tambor, o que diminui consideravelmente o coice do disparo, já que aproxima a linha do antebraço à do cano, e proporciona também um recuo horizontal e não em arco, facilitando a pontaria no segundo tiro.
Ismael saiu do carro e atravessou a rua. O Rhino era tão compacto e leve que praticamente se escondia dentro da mão, sendo essa a característica que favorecia sobre quaisquer outras. O portão começava a encerrar-se atrás do jipe, que parara junto ao anexo mas, com a mão esquerda, Ismael deteve-lhe o avanço.
A porta do Range Rover abriu-se e o condutor apeou-se, inclinando-se ainda sobre o interior, para retornar com uma pasta e um casaco, que dobrou debaixo do braço.
Ismael largou o portão e guardou o revólver no bolso. O portão reactivou-se, deixando Ismael do lado de fora.
O condutor prosseguiu para a moradia, ainda de costas, sem se ter, aparentemente, apercebido da presença de Ismael, que entretanto retornava ao seu carro, empunhando agora uma chave inofensiva.